sexta-feira, julho 28, 2006

Princípios Simples XVI

A guerra é assunto de bestas.


| Criptoméria | Sete Fontes | S. Jorge | Açores | Junho 2006 |

quarta-feira, julho 26, 2006

Do outro lado do espelho, a guerra.

«(...) há o caso do Mensageiro do Rei. Está neste momento na prisão, a cumprir a pena; mas o julgamento não começa senão na próxima quarta-feira. E é claro que o crime só vem no fim de tudo.
-E se ele nunca chegar a cometer o crime? - perguntou Alice.
-Tanto melhor, não é? - disse a Rainha, enquanto prendia adesivo à volta do dedo com uma fita.
Alice achou que não podia de maneira nenhuma negar isso.
-Claro que seria muito melhor - disse ela -, mas o que não seria melhor era ele ser castigado.
-Seja como for, estás enganada nesse ponto - disse a Rainha. - Já alguma vez foste castigada?
-Só quando fiz maldades - disse Alice.
-Pois tanto melhor para ti, estou certa disso - afirmou a Rainha, triunfante.
-Está bem, mas é que eu fiz mesmo as maldades por que fui castigada - disse Alice -, e aí é que está a diferença toda.
-Mas se não as tivesses feito, teria sido ainda melhor; muito melhor, muito melhor, muito melhor!
A voz dela ia subindo mais alta cada vez que dizia "melhor", até se tornar por fim num verdadeiro guincho.
Alice ia explicar: "Há qualquer coisa que não está certa..." quando a Rainha começou a gritar tão alto que teve de interromper o que estava a dizer.»


Alice do outro lado do espelho, Lewis Carroll. Tradução de Vera Azancot; Publicações Europa-América.


Ser rainha implica várias coisas. Entre elas definir regras sobre:
a)quem deve ser castigado e com que pretexto.
b)quem tem razão em qualquer discussão e quem não a tem.
c)de que maneira os vassalos devem gramar calmamente a gritaria do poder.


| Rabo de Peixe | Açores | Junho de 2006 |

terça-feira, julho 25, 2006

E milícias populares armadas de auto-tanques de combate ao lume...?

Um fogo precisa necessariamente de um comburente e de um combustível. O comburente é normalmente o elemento mais complicado de explicar para alguém que esteja a dar os primeiros passos em química. Metaforicamente um comburente pode ser explicado pela descrição de uma sequência de telefonemas realizados ao final da manhã de um dia qualquer da semana passada.

Quem viajar ao longo da A4, que liga Amarante ao Porto, pode facilmente encontrar uma série de instalações industriais, desde as famosas fábricas de móveis da Rebordosa, à Lear que se prepara para ir lucrar para outro lado, passando pelas mais variadas cadeias de hipermercados. Mas quem nos interessa nesta história é a fábrica de fogões Meireles situada ao quilómetro 22.

O quilómetro 22 não é um pormenor negligenciável, não senhor. É importante por exemplo para uma denúncia de um acto, digamos assim, de vandalismo. Imaginemos que alguém, nesse percurso de auto-estrada verifica que, em pleno mês de Julho, outro alguém (dentro das instalações dos tais fogões Meireles) se dedica a queimar resíduos em bidões metálicos, com labaredas de metro...

Como se desenrola o processo? Um cidadão preocupado liga naturalmente para o 117. O que é o 117? É a linha de emergência para incêndios florestais. Ok.

-Sim, ahh, é um terreno particular? Pois. E só estão a queimar coisas em contentores? Pronto. Olhe, a verdade é que não podemos fazer nada.
-Não podem fazer nada?
-Só actuamos em caso de incêndio. Terá que ligar para o 112.

[Desliga o telefone. Marca 112.]

-Sim, muito bem, mas terá que ligar o 117.
-Pois, percebo, mas acabo de ligar o 117 e pediram-me para contactar o 112.
-Vamos fazer uma coisa. Vou passar a chamada para a GNR da zona.

[Chamada transferida.]

-Nós podemos até tomar conta da ocorrência. Podemos mandar lá uma patrulha, mas a verdade é que quando lá chegarem o mais natural é já não encontrarem nada.

[neste momento, ainda que não se tenham apercebido passaram mais de 15 minutos, desde a passagem no famoso quilómetro 22. Os cidadãos zelosos estão já a pensar no almoço que os espera no final da viagem e começam a pensar que isso é infinitamente mais importante do que deixar o país arder de lés-a-lés.]

-Muito bem. Então o que é que se pode fazer?
-Ligue a linha SOS Ambiente. É o mais indicado para lidar com estes problemas.

[a chamada é desligada e a partir daqui o cidadão começa, ainda que pouco, a pagar do seu bolso o bem do seu país. O país merece uma chamada para um número azul.]

-[sinal de chamar] [silêncio] [sinal de chamar] [silêncio] (...)
Ninguém atende. Talvez seja melhor voltar a ligar.
-[sinal de chamar] [silêncio] [sinal de chamar] [silêncio] (...)
Pois é. Ninguém atende.

O comburente é uma metáfora rebuscada sobre a lassidão.
O combustível é bem mais fácil de explicar. É aquilo que faz com que desde o servente, ao director de uma fábrica, todos achem normal queimar resíduos a céu aberto. O burgesso é o combustível, o país é o comburente. Para todos eles deveria haver uma linha SOS.


| Estação de S. Bento | Porto | 2003 |

sábado, julho 15, 2006

Sabes por isso que não as mostro a qualquer um.

O pior das fotos das férias não é sequer aquela sensação que deixam de uma saudade putinha que morde devagarinho naquele sítio das costas onde não se consegue chegar nem com uma mão nem com outra. O pior é pensar que grande parte delas só serve mesmo para nós. No dia em que nos formos, as fotos desaparecerão como as mensagens da missão impossível que se auto-destroem ao fim de dez segundos.


| Gruta das Torres | Ilha do Pico | Açores | Junho de 2006 |

sexta-feira, julho 14, 2006

São rolos senhor, são rolos.

Guardo, por revelar, mais de meia dúzia de rolos. Não sei sequer o que contêm. Não sei sequer quando os expus à luz. Um dia, organizá-los-ei por sensibilidade e, começando pelos mais sensíveis para os menos sensíveis passarei uma noite de cócoras no quarto de banho. Terá passado mais de um ano sobre a data em que fotografei com o mais antigo de todos eles. Nessa altura, depois de os secar, de os cortar seis a seis e de os arquivar em crepitantes folhas de papel vegetal, escreverei um texto no meu blogue que começará da seguinte forma:
«Guardo, por digitalizar, mais de meia dúzia de rolos.»


| Chinês | Porto | Noite de S. João | 2005 |

quarta-feira, julho 05, 2006

Princípios Simples XV

[Em condições comparáveis] É mais importante escolher as pessoas com quem se trabalha do que propriamente as funções que se desempenham.

O verbo pode ainda ser estudar; brincar; passear; divertir; viver - com as devidas variantes.


| S. Bartolomeu do Mar | 25 de Agosto de 2005 |

Como quem olha para as nuvens no céu.

* Olha pá, sabes que quando mudei de emprego, uma das coisas que mais pesou na decisão foi o facto de sair de casa de manhã com a sensação nítida que me ía enfiar num covil. O ambiente era tão mau, que cheguei a receber solicitações por correio electrónico de pessoas que trabalhavam a dois metros de mim.

# Isso acontece-me muitas vezes. O que eu faço normalmente é pô-los na pasta do spam.

* Enfim. Agora, neste novo emprego, por volta das 8:45h, mal me sento para começar a usar pela primeira vez o neurónio, aparece-me um gajo que insiste em ir tomar café.

# É panasca?

* Não. O tipo até é simpático mas como ouve a TSF enquanto está no quarto de banho, tem sempre uma discussão estéril sobre qualquer assunto da actualidade. Não é bem uma discussão, porque na verdade ele limita-se a falar praticamente sózinho.

# Portanto agora tens bom ambiente de trabalho, mas tens que gramar com uma lapa todas as manhãs...

* É um pouco isso. Um destes dias, enquanto estávamos na câmara escura, aproveitei para lhe deitar revelador nos sapatos. Agora, enquanto ele fala, entretenho-me a imaginar formas para a mancha que de dia para dia vai aparecendo na camurça.


| Cinema Batalha | Porto | Junho de 2006 |