domingo, fevereiro 18, 2007

Acabar de vez com as superstições.

Sempre achei do mais sarcástico dar a um aeroporto, o nome de alguém que morre num acidente de avião.


| Igreja | provavelmente em Roma | provavelmente no Trastevere | Itália (de certeza absoluta!) | Dezembro de 2005 |

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Sim.

«Falarei apenas sobre aquilo que sei e daquilo que faço. O aconselhamento genético
de famílias com doenças hereditárias graves apenas me tem convencido, cada vez
mais, de que a vida é um contínuo, desde que começa até que um dia acaba.
Contínuo e gradual. Eu sei (e vocês sabem) que um embrião num laboratório ou já
no útero da mãe não é a mesma coisa que um feto às 8 semanas. E um feto de 10
semanas (porque é disso que estamos a falar), não é a mesma coisa que um feto às
24 semanas e ambos são diferentes de um recém-nascido ou duma criança já com 2
anos.

É por isso que as mulheres escolhem o método de diagnóstico pré-natal mais
precoce possível. Que, no caso do feto ser afectado, permita uma interrupção mais
precoce. Até os adeptos do “não” pensam e sentem da mesma maneira.
Durante o seu desenvolvimento contínuo, o embrião e o feto passam por diferentes
etapas. Será que então uma vida humana começa quando bate um coração? O
coração bate sozinho. Um coração bate na mão de um cirurgião, desligado já de um
corpo. O coração continua a bater depois da morte cerebral, quando todos aceitam
que já não há uma vida humana. E, maravilha das maravilhas, simples celulazinhas
do coração (não o órgão inteiro), obtidas a partir de células estaminais, contraem-se
sozinhas numa placa de vidro, no laboratório. Só às 12 semanas o coração é um
órgão funcionante e só às 16 semanas o aparelho circulatório está pronto a funcionar.
E, se tudo o que é vivo se mexe, até as bactérias e os vírus se mexem. Até os
espermatozóides e os óvulos se mexem. Da mesma forma que uma anémona do mar
se contrai quando lhe tocam, também o feto humano às 10 semanas tem movimentos
reflexos e involuntários, mas ainda não tem dor.

Os receptores da dor começam a formar-se entre as 8-15 semanas, mas são como
tomadas sem corrente num edifício em construção: a electricidade só é ligada
quando passa a ser habitado. Ou seja, depois das 24 semanas, quando se iniciam as
ligações ao córtex cerebral. Mas o ocupante só se muda muito provavelmente às 30
semanas, quando os EEGs mostram pela primeira vez que já consegue estar
“acordado”.

O feto de 10 semanas não tem vontade, não tem vigília, nem consciência. Não tem
dor.

Provada, essa sim, está a dor das mulheres que sofrem as complicações de saúde e as
consequências legais dos abortamentos clandestinos. Por isso há que tentar acabar
com ela, aqui, como foi sucedendo em tantos outros países.
A dogmas diversos o “NÃO” acrescentou agora a fraude e a argumentação pseudocientífica.

Ninguém sabe (ninguém pode saber) quando começa uma vida humana.
Não há argumentos científicos neutrais. A ciência não tem respostas para perguntas
filosóficas ou teológicas. O papel da ciência é fazer perguntas. É pôr os dogmas em
causa, desconstruir mitos e crenças, e fortalecer as nossas convicções.
Pela minha parte, estou cada vez mais convicto. Por isso, sou um médico pela
escolha.

Mas nós, Médicos pela Escolha, não estamos sozinhos. A Associação Médica
Mundial defende claramente que “não é à classe médica que compete determinar as
atitudes e regras de qualquer estado ou comunidade nesta matéria”. E a Federação
Internacional de Ginecologia e Obstetrícia recomenda que “após aconselhamento
apropriado a mulher deve ter direito a acesso a um abortamento induzido”, que “a
interrupção por razões não médicas deverá ser feita no Sistema Nacional de Saúde
ou por um serviço de saúde sem fins lucrativos”, e que “os serviços de saúde têm
obrigação de fornecer esses cuidados da forma mais segura possível”.
Raro, seguro, precoce e gratuito.

A vitória do SIM não vai acabar de um momento para o outro com os abortamentos
clandestinos, mas é indispensável para que as mulheres que fazem a escolha de
abortar, em condições psicológicas e sociais difíceis, o façam em condições de saúde
e segurança. O que nunca poderá acontecer enquanto a Lei as considerar criminosas.
Por isso, voto SIM. Para que não cheguem aos bancos dos tribunais. Para que lhes
sejam abertas, finalmente, as portas dos hospitais.»

Porto, 8 Fevereiro 2007
Jorge Sequeiros



| À chuva no Panteão | Roma | Dezembro de 2005 |

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Alfredo, o fotojornalista indeciso.

As suas fotos eram conhecidas pela representação do "momento indeciso". "Indecisive moment", em estrangeiro.


| Rabo de Peixe | S. Miguel | Açores | Junho de 2006 |

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Pronto...!

Tenho em relação a este referendo tentado manter uma certa frieza. Não é uma frieza de indiferença, negligência ou alheamento. A verdade é que como provavelmente muita gente favorável à mudança da lei, parece-me que há muito pouco a discutir naquilo que tem sido uma campanha marcada sobretudo pelo campo dos criminalizadores. A minha frieza é uma distância que me é proporcionada pela pobre garantia que terei de poder colocar uma cruz pela mudança da lei.

No meu blogue raramente me dirijo a quem me lê. Gostaria até de imaginar que em certos momentos ninguém me lê e que as pessoa que aqui vêm o fazem exclusivamente pela fotografia. A verdade é que não sei quem me lê. Tenho para ali um contador que é uma intromissão na privacidade dos meus visitantes e que por diversas vezes ponderei apagar. Tenho um endereço de correio electrónico que, se bem me lembro, só foi usado uma ou duas vezes. Abreviando, para além de alguns familiares e amigos que sei que olham para isto e sabem o que penso das coisas, não faço ideia nenhuma de quem me lê nem o que pensam das fotos que vêem. Não faço links nos posts para outros blogues. Os meus amigos sabem que os admiro e não preciso de o dizer a cada passo.

Por isso nessa minha frieza nunca pensei escrever nenhum relambório sobre o referendo. Não gosto de discutir esta questão com ninguém. Tenho-a discutido com pouquíssimas pessoas e poucas são aquelas que reconheço como merecedoras de algum tipo de argumentação / contra-argumentação.

Até que esta manhã ao abrir a minha caixa de correio, encontro uma filha da puta de uma apresentação PowerPoint, enviado por uma besta que comigo trabalha. Foda-se lá o gajo.

[agora, caro leitor, cara leitora, desculpem a linguagem sexista, mas é que eu sou do Porto e revelo-me tal incrível Hulk quando fico agitado.]

Como é natural toda a apresentação está cheia de mentiras sobre tudo e mais alguma coisa. Sobre a lei, sobre a sexualidade, sobre questões familiares, sobre a "vida" e - pelo caminho - sobre mim próprio, fazendo insinuações insultuosas sobre quem discorda da criminalização. Ora que caralho!

A campanha para este referendo tem sido particularmente mais moderada que a campanha de 98. Moderada no sentido em que se acentua o carácter liberal da mudança da lei, deixando a responsabilidade (e a liberdade - aliás indissociáveis) do lado da cidadã. Eu que acho que sou muito mais (ou muito menos) que liberal aceito essa argumentação (que não é a minha) e subscrevo-a em grande medida.

A campanha de quem defende a criminalização é muito dura porque se fundamenta em mentiras, mentiras essas que têm um pano de fundo ideológico e cultural profundo: Portugal é um país atrasado, conservador e regra geral muito pouco esclarecido. É o país dos treinadores de bancada em que todos podiam ser primeiro-ministro mas ninguém quer ser administrador de condomínio. O meu preconceito diz-me que o mundo dos blogues é um bom exemplo disso.

[Aproveito para fazer uma declaração de amor à Ana Sá Lopes, dando graças por saber que ela não votará no PSD tão cedo.]

Mas a questão levantada pelo Portugalzinho que me entrou pela caixa de correio esta manhã é uma discussão de crenças e de fé. É uma discussão sobre o medo que há em assumir responsabilidades (sobretudo ao nível sexual) mas sobre a facilidade que temos em apontar o dedo à vizinha. E é sobretudo uma discussão profundamente masculinizada onde, apesar da palavra "vida humana" encher a boca de muita gente, discute-se muito pouco aquilo que são precisamente os direitos que temos nas nossas vidas (humanas).

[Nomeadamente o direito a não ter a tutela da igreja no nosso sistema jurídico e de saúde.]

A minha vida já teve abortos. No plural. Quero que o meu colega os meta pelo cu acima. Metaforicamente. Não me fodam, já basta o que já basta.


Caro leitor, cara leitora, ainda esta tarde conto ter ali do lado direito o maior banner que encontrar a apelar ao voto sim no referendo. Mandei a frieza às urtigas.


| Rabo de Peixe | S. Miguel | Açores | Junho de 2006 |