terça-feira, janeiro 31, 2012

O controlo remoto da cabeça.

Até hoje a internet tem sido uma plataforma de comunicação livre entre todos. A rede não discrimina tráfego por qualidade, origem, destino; nem filtra conteúdos. A internet tem sido como a rede telefónica ou a rede postal. Cada um envia e recebe aquilo que entende e ninguém tem nada a ver com isso.

Estou em crer que tudo isto deixará de ser norma no futuro. Várias acções têm sido tomadas. Algumas delas graves por causa dos precedentes que abrem. Por exemplo, na Bélgica, o acesso ao The Pirate Bay está vedado por ordem judicial. Um domínio alternativo criado por um grupo de activistas foi entretanto banido voluntariamente (sem ação judicial) pelos próprios ISPs. A inconsequência destas medidas (é elementar contornar os servidores DNS dos ISPs ou usar domínios alternativos.) fará com que no futuro o tráfego tenha que ser segregado e a vigilância digital sobre os cidadãos seja permanente. A rede telefónica e postal são usadas em actividades criminosas? Certamente que sim, mas ninguém aceitaria como normais "escutas" ou a abertura preventiva de correspondência.

Uma série de acordos inter-governamentais têm sido preparados sob a batuta da industria cinematográfica americana (entre outras) para que a Internet passe a ser algo de tutelado. Isso não é novidade. A grande novidade do dia é que a saída para a crise está precisamente nestes acordos.

A declaração oficial do Conselho Europeu de ontem, onde pela milésima vez se anunciaram as medidas "a sério" para acabar com a crise, explica muito explicadinho que a "pirataria" (sic) e as leis de direitos de autor caducas são entraves ao mercado único e, por conseguinte, à saída da crise.

«por forma a explorar plenamente o potencial da economia digital, uma modernização doregime europeu de direitos de autor e a promoção de boas práticas e modelos, emparalelo com um combate mais eficaz da pirataria e tendo em conta a diversidadecultural;» 

Ora aí está uma coisa que a nossa presidência da república se preocupa há já muito tempo (será que os emails da presidência são vigiados? Será a internet uma coisa segura?) sem que em Portugal ninguém lhe tenha dado o devido valor. Felizmente na Europa alguém percebeu.

(Leia-se a propósito o acórdão do tribunal europeu, onde entre outras coisas estão descritos os nossos direitos).

| mechelen | bélgica | 2011 |

domingo, janeiro 29, 2012

Passos Coelho e os seus três generais.

Sob pretexto de querer conhecer a vida pessoal e os interesses culturais dos generais de Junta Militar de Pinochet, o anti-fascista (e exilado) espanhol José Maria Berzosa conseguiu em 1976-77 realizar um documentário onde com imensa candura podemos observar o (pouco) que pensam algumas das maiores bestas que pisaram o planeta. Recordo-me de um dos seus generais tentar mostrar um falso interesse por música clássica e explicar que a literatura se revestia de demasiada densidade para os seus gostos simples: em particular Garcia Márquez era aos olhos do general um chato, não propriamente um subversivo.

Os chilenos eram torturados de todas as formas e esta é uma das formas que mais me marcou: eram governados por analfabetos. Pessoas para quem gerir um país se resume a ter pulso firme com a canalhada. Os mais altos quadros não sabem sequer ler. Condição necessária mas certamente não suficiente.

O Chile foi um laboratório, o primeiro do mundo, onde o americano Milton Friedman pôde dar asas às suas mais recalcadas fantasias. Apesar de os cidadãos chilenos serem torturados e mortos por serem agentes de potências estrangeiras, o facto de toda a política económica ser dirigida directamente a partir de Chicago, por um bando de catatuas que se limitavam a aplicar acriticamente teses de infundada credibilidade, foi coisa que não incomodou em nada Pinochet.

Sendo português como os outros, estaria disposto a todos os sacrifícios no presente, para que o futuro pudesse ser mais soalheiro. Mas ultimamente lembro-me demasiadas vezes deste documentário. E fico com a estranha impressão que isto que nos andam a fazer nos últimos tempos é coisa de gente muito parva. Tenho a impressão que a figura do "ministro catatua sul-americano" foi trocada pela figura do "ministro copy-paste europeu". A mediocridade, a incapacidade técnica e a banalidade são as mesmas. O pior é que Portugal é uma coisa ainda mais chata e complicada de perceber que um romance do Garcia Márquez. E duvido que haja um só ministro com capacidade para fazê-lo. E isto apenas e só por falta de tempo - estou certo.

Tenho apreciado a bandeira da república na lapela dos ministros copy-paste. Cheguei a fazer "assim" com a boca e a pensar que "sim" (com a cabeça); que a Maçonaria havia levado os mais altos valores republicanos ao coração dos mais significativos dirigentes da direita portuguesa. Mas vejo agora que não é nada disso. A bandeira na lapela deve ser um franchising da ideia de Portugal. É como levar um cartucho de pasteis de nata no bolso sempre que se sai para o estrangeiro. Não tem nada a ver com a República. A República, que tem agora cem anos, é tão chata como os "cem anos de solidão" e isso não merece sequer um feriado. Um pin na lapela dos ministros chega e sobra.

O pior não chega a ser "isto" ou "aquilo". O pior é a sensação que me fica (confirmada bem recentemente pelo senhor presidente) que quando quem nos dirige fica sem "copy" para fazer "paste" e começa a dizer exactamente aquilo que pensa ficamos a perceber que somos dirigidos por um comité de tortura para quem gerir um país é como gerir uma mercearia - mantendo o caderninho das contas bem apresentado e o chão varrido, não vá o fiscal aparecer sem se anunciar.

| 15-O | bruxelas | 15 de Outubro de 2011 |